sábado, 25 de fevereiro de 2017

O CONTROLE E A “DITADURA DA FELICIDADE”


Vivemos em uma época denominada por alguns teóricos como “ditadura da felicidade”. Tal “ditadura” nos é imposta fundamentalmente pela mídia que faz com que acreditemos que temos que ser felizes a todo custo. Existem diversas propagandas que instituem essa felicidade como sendo lema de suas campanhas publicitárias.

O slogan “Abra a felicidade”  da empresa Coca-Cola, a campanha “Lugar de gente feliz” do Pão de Açúcar, os diversos comerciais do SBT que afirmam ser “A TV mais feliz do Brasil”, o marketing “vem ser feliz” da Magazine Luiza são alguns dos diversos exemplos de uma publicidade que nos ordena ser feliz.

Como se não bastasse, a própria população em geral, tenta, a todo custo, afirmar e reafirmar essa felicidade em suas redes sociais. Fazem questão de publicar “selfies” sempre sorrindo, pratos de comidas, fachadas de restaurantes e claro todo o luxo de sua vida, mesmo que, muitas vezes, o que é publicado não condiz com sua classe social.

Essa preocupação em mostrar para o restante do mundo que possui uma vida perfeita, faz com que essas pessoas virem escravas dessa ilusão de felicidade e acabam sendo reféns desse sistema conhecido como “didatura da felicidade”. Por isso, cada dia mais jovens, adultos e idosos não sabem mais quem realmente são.

O filme “V for Vendetta (2005)”[1] trás muitas reflexões acerca do que as pessoas tentam transmitir. Em uma das passagens do filme o ator Hugo Weaving, que interpreta V diz: “Você usa tanto uma máscara que, acaba esquecendo quem você é.”

Esse fato de “esquecermos” quem realmente somos é inerente ao nosso sistema, e, utilizamos da tal “felicidade” como lema de vida, como forma de definição. Em relação a essa tão buscada “felicidade”, Freud afirma que:  “O que em sentido estrito se chama “felicidade‟ corresponde à satisfação mais repentina de necessidades retidas com alto grau de êxtase e, por sua própria natureza, somente é possível como um fenômeno episódico”. (p. 76)

Por isso, para Freud, a “felicidade” que vem acompanhada de um “fenômeno episódico”, é muito mais difícil de ser alcançada do que a “infelicidade” que provém de diversas fontes como: do mundo externo, do corpo, e dos relacionamentos humanos. Entretanto, essa infelicidade foi escolhida pelo homem que preferiu viver em segurança do que viver ao seu bel prazer.

Caso este homem escolhesse viver livre da ação da repressão seria uma “besta selvagem”. A descrição do ser humano para Freud é de que:
[...] não é um ser manso, amável, somente capaz de se defender quando o atacam. É lícito atribuir a sua dotação pulsional uma boa cota de agressividade. Em conseqüência, o próximo não é somente um possível auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para satisfazer sua agressão, explorar sua força de trabalho sem ressarci-lo, usá-lo sexualmente sem seu consentimento, dispor de seu patrimônio, humilhá-lo, lhe infligir dores, martirizá-lo e de matá-lo. (p.35)

Por isso que, para Freud, é imprescindível que a cultura exija o “sacrifício pulsional”. Tal sacrifício pode ser observado em alguns meios que tentam diminuir o “ônus dos sacrifícios instintuais”. Um deles é essa própria intensa e busca pela felicidade, que faz com que acreditemos que a mesma seja possível de ser alcançada.

A forma da felicidade ser alcançada é acompanhada por regras inseridas, atualmente, no sistema capitalista em que vivemos. Regras sociais de como devemos ou não nos comportar são impostas. A composição “Admirável Chip Novo (2003)” composta por Pitty, tece uma crítica em relação a esse sistema que não é orgânico e sim “programado” e que precisa ser reinstalado para que as pessoas as sigam as mesmas normas.

Tais normas, influem até na nossa própria aparência e muitas vezes acarreta problemas e distúrbios de saúde seríssimos. Tanto mulheres quanto homens fazem de tudo para se aproximarem do padrão estipulado pela mídia, mesmo que isso possa ser prejudicial para sua saúde. Deixam de comer, fazer intervenções cirúrgicas perigosas e muitas vezes ficam reféns de problemas psicológicos graves como anorexia, bulimia que podem levar a morte.

Assim, ao mesmo tempo que tais normas e padrões sociais fazem com que controlemos os nossos reais instintos, como discutido por Freud, elas fazem com que a cada dia nos asfastemos ainda mais do nosso verdadeiro eu, do que realmente somos ou almejamos ser. Não sabemos mais as nossas vontades, os nossos anseios e desejos, não sabemos mais quem somos afinal a cada dia estamos mais parecidos com nossos semelhantes.



[1] O filme se passa no Reino Unido em um futuro próximo. Sob o pretexto de vários atos terroristas, um governo totalitário é eleito para o Parlamento, o qual é comandado pelo chanceler Adam Sutler (John Hurt), que promete para salvar o país dos terroristas. O único problema é que o povo deve dar boa parte de sua liberdade para obter um pouco de segurança. O governo logo se torna cruel, corrupto e opressivo. Impulsionado por uma vingança pessoal, um misterioso indivíduo que se esconde atrás de uma máscara e se identifica apenas como V (interpretado por Hugo Weaving) chega para assumir a causa da liberdade. Ele usa uma máscara de Guy Fawkes para cobrir o rosto e tem grandes habilidades com facas.


REFERÊNCIAS: 

FREUD, Sigmund (2004a). El malestar en la cultura. In: Obras completas: el porvenir de una ilusión; el malestar en la cultura y otras obras (1927-1931). 2 ed. Tradução de José L. Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, p. 76.
PITTY. Admirável Chip Novo. São Paulo: Deckdisc, 2003. 1CD. Estéreo (39min e
15s).

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