A educação brasileira é um dos tópicos mais debatidos
atualmente, seja por profissionais da área ou não. Dentre essas discussões pode
ser percebido que existe uma grande insatisfação com o modelo atual, desde pais
e professores até os próprios alunos que possuem diversas queixas e apontamentos
acerca do processo educacional brasileiro.
Algumas destas queixas foram reveladas na pesquisa Nossa
Escola em (Re)Construção que entrevistou 132 mil estudantes de 13 a 21 anos, de
todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Um destes dados foi que 90%
dos estudantes brasileiros não estão satisfeitos com suas aulas.
Este índice elevado demonstra o quanto a escola atual não
está adequada para receber este aluno do século XXI e, quando pensamos em
resultados, o índice também não é diferente afinal segundo o Pisa de 2016,
nosso país ficou na sexagésima terceira posição entre as 70 nações avaliadas,
demonstrando mais uma vez a necessidade de transformações.
Em relação a tais transformações Franco salienta que “[...] a escola não se transforma por
projetos inovadores, normalmente imposto as escolas por via burocrática. A
escola só mudará quando os educadores, em coletivo, perceberem que a escola
pode e deve ser outra”.
Entretanto, Nóvoa problematiza a visão de muitos educadores
atuais que, não conseguiram estabelecer seu próprio papel frente a diferentes
modificações contemporâneas.
Ensinar hoje é diferente
do que era há vinte anos. Fundamentalmente, porque não tem a mesma
dificuldade trabalhar com um grupo de crianças homogeneizadas pela seleção
ou enquadrar a cem por cento as crianças de um país, com os cem por cento de
problemas sociais que essas crianças levam consigo. Daí o desencanto que
atinge muitos professores, que não souberam redefinir o seu papel perante esta
nova situação. (NÓVOA, 1995, p.96)
Neste sentido vemos que aquele modelo tradicional de
educação em que o professor era visto como detentor e transmissor de
conhecimento não se aplica mais, pois como Franco afirma o “profissional crítico
e criativo, pesquisador de sua prática, envolvido com questões
político-sociais, numa perspectiva de inclusão de toda diversidade cultural
emergente”, se faz necessário.
Tal necessidade pode ser intertextualizada com o conto “O
menino e a caixa” escrito por Ramal. A história em seu sentido literal
apresenta um menino que recebia de um entregador de objetos diversos utensílios
para armazenar em uma caixa. Entretanto como eram variados, o menino as jogava
naquela caixa até que uma hora eles explodem.
Este fato vem de encontro com o pensamento do entregador de objetos, já
que ele acreditava que daquela caixa sairiam objetos novos e criativos e não
uma explosão.
Ramal conseguiu trazer a verossimilhança em seu conto,
afinal conseguimos relacionar cada elemento da narrativa com o cenário
educacional brasileiro. O entregador de objetos pode ser associado com a figura
do professor que acredita estar fazendo o melhor para o seu aluno quando
transmite os diferentes conhecimentos. O profissional almeja fazer com que que
os alunos depositem todos aqueles conteúdos em “sua própria caixa” e isso trará
algo hodierno.
Entretanto, o resultado não é o esperado uma vez que, como
no conto, ocorre uma explosão, fazendo com que todos os conteúdos transmitidos
pelo professor saiam de sua “caixa” e deem espaço para sua “primeira ideia”,
demonstrando o quão o senso crítico, criativo e reflexivo deste aluno visto
pelo modo tradicional como “caixa vazia”, se faz necessário na atualidade.
Este brilhante texto, pode ser intertextualidade com a
citação do renomado educador Paulo Freire que em seu livro Pedagogia da
Autonomia afirmou que: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. ” (p. 47). Neste sentido vemos que o professor não deve
acreditar que seu aluno seja uma página em branco ou fazendo alusão ao conto
uma “caixa vazia” que deverá ser preenchida com os “utensílios” que o professor
depositar.
Tal “educação
bancária” não atende ao aluno do século XXI como pudemos ver na reflexão
realizada no conto “O menino e a caixa”. Os educadores devem compreender a
época em que vivemos. A reprodução que até então era compreendida como sendo
bem sucedida no passado, não se enquadra aos modelos atuais. Como o pesquisador
Milton Santos afirmou: “Para ter eficácia, o processo de aprendizagem deve, em
primeiro lugar, partir da consciência da época em que vivemos” (SANTOS, 2008,
p. 115).
Os
pesquisadores Alarcão e Tavares foram ao encontro de Santos, já que eles
salientaram a importância da conscientização das profundas mudanças na
conjuntura político-social da nossa sociedade:
O segredo da renovação de nossas escolas, no
sentido de se adaptarem às novas exigências da formação e da educação, do
ensino e da aprendizagem, em mudanças profundas e aceleradas, passa por uma
mudança qualitativa, radical, dos professores. Não se trata apenas de saber
mais, mas de um saber qualitativamente diferente que assenta numa atitude e
numa maneira de ver diferentes (ALARCÃO e TAVARES, 2003).
Essa nova visão
reforça mais uma vez o papel que o professor deve ressignificar a educação,
propondo, questionando e modificando.
Fazer da sala de aula o lugar de aprendizagem natural do
sujeito é estabelecer como objetivo da escola criação de um ambiente onde se
partilha e constrói significados. A decorrência de se aceitar esta
afirmação como verdadeira é que aos que fazem a escola, cabe o planejamento
de atividades de ensino mediante as quais, professores e alunos possam ampliar,
modificar e construir significados. (MOURA,
2001, p.155)
A construção de significados deve ser repensada a todo
instante, pois como citado anteriormente, o entregador de objetos em “O menino
e a caixa”, acreditava que sua prática o levaria para outro sentido. Por isso,
nós educadores, devemos questionar nossas certezas e convicções, afim de nos
aproximarmos de uma educação que faça nosso aluno questionar, refletir mesmo
que pareça “tímida e despretensiosa”.
Educar
não é fácil, mas as coisas fáceis qualquer um as faz; as difíceis estão
para os Professores, para os Pais, para as Pessoas com letra maiúscula.
Ensinar bons alunos, que não criam problemas, qualquer um faz, mas saber lidar
com alunos difíceis implica aceitar fazer muitas mil pequeninas coisas. Quem
não for capaz de fazer pequenas coisas jamais verá perante si as coisas
grandes! (VEIGA, 2002, p. 155)
REFERÊNCIAS
ALARCÃO, Isabel e TAVARES, José. Supervisão da prática pedagógica: uma perspectiva de desenvolvimento
e aprendizagem. 2a edição. Coimbra: Almedina, 2003.
FREIRE, P. PEDAGOGIA
DA AUTONOMIA - saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 2003.
MOURA. M. A atividade de ensino como ação formadora.
In: CASTRO, A. & CARVALHO, A (orgs). Ensinar a ensinar: didática para a
escola. São Paulo: Editora Pioneira, 2001.
NOVOA, A. (Org.) Profissão
professor. Portugal: Porto, 2. ed., 1995.
RAMAL, Andrea. Histórias de gente que ensina e aprende:
contos para repensar a educação. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
SANTOS, M. In: TENDLER, S. Técnica, Espaço, Tempo. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2008.
(Coleção Milton Santos; 11).
VEIGA, Feliciano
Henriques. Indisciplina e Violência na Escola: Práticas
Comunicacionais para Professores e Pais. Coimbra: Almedina, 2002.
Entre a lógica da formação e a lógica das práticas: a
mediação dos saberes pedagógicos. Maria Amélia Santoro Franco. Universidade
Católica de Santos. Educ. Pesqui. v.34 n.1 São Paulo jan./abr. 2008.
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022008000100008.
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