segunda-feira, 17 de abril de 2017

Reflexões acerca do panorama educacional brasileiro

A educação brasileira é um dos tópicos mais debatidos atualmente, seja por profissionais da área ou não. Dentre essas discussões pode ser percebido que existe uma grande insatisfação com o modelo atual, desde pais e professores até os próprios alunos que possuem diversas queixas e apontamentos acerca do processo educacional brasileiro.

Algumas destas queixas foram reveladas na pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção que entrevistou 132 mil estudantes de 13 a 21 anos, de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Um destes dados foi que 90% dos estudantes brasileiros não estão satisfeitos com suas aulas. 

Este índice elevado demonstra o quanto a escola atual não está adequada para receber este aluno do século XXI e, quando pensamos em resultados, o índice também não é diferente afinal segundo o Pisa de 2016, nosso país ficou na sexagésima terceira posição entre as 70 nações avaliadas, demonstrando mais uma vez a necessidade de transformações.

Em relação a tais transformações Franco salienta que “[...] a escola não se transforma por projetos inovadores, normalmente imposto as escolas por via burocrática. A escola só mudará quando os educadores, em coletivo, perceberem que a escola pode e deve ser outra”.

Entretanto, Nóvoa problematiza a visão de muitos educadores atuais que, não conseguiram estabelecer seu próprio papel frente a diferentes modificações contemporâneas.

                      Ensinar hoje é diferente do que era há vinte anos. Fundamentalmente, porque não tem a mesma dificuldade trabalhar com um grupo de crianças homogeneizadas pela seleção ou enquadrar a cem por cento as crianças de um país, com os cem por cento de problemas sociais que essas crianças levam consigo. Daí o desencanto que atinge muitos professores, que não souberam redefinir o seu papel perante esta nova situação. (NÓVOA, 1995, p.96)

Neste sentido vemos que aquele modelo tradicional de educação em que o professor era visto como detentor e transmissor de conhecimento não se aplica mais, pois como Franco afirma o “profissional crítico e criativo, pesquisador de sua prática, envolvido com questões político-sociais, numa perspectiva de inclusão de toda diversidade cultural emergente”, se faz necessário.

Tal necessidade pode ser intertextualizada com o conto “O menino e a caixa” escrito por Ramal. A história em seu sentido literal apresenta um menino que recebia de um entregador de objetos diversos utensílios para armazenar em uma caixa. Entretanto como eram variados, o menino as jogava naquela caixa até que uma hora eles explodem.  Este fato vem de encontro com o pensamento do entregador de objetos, já que ele acreditava que daquela caixa sairiam objetos novos e criativos e não uma explosão.

Ramal conseguiu trazer a verossimilhança em seu conto, afinal conseguimos relacionar cada elemento da narrativa com o cenário educacional brasileiro. O entregador de objetos pode ser associado com a figura do professor que acredita estar fazendo o melhor para o seu aluno quando transmite os diferentes conhecimentos. O profissional almeja fazer com que que os alunos depositem todos aqueles conteúdos em “sua própria caixa” e isso trará algo hodierno.

Entretanto, o resultado não é o esperado uma vez que, como no conto, ocorre uma explosão, fazendo com que todos os conteúdos transmitidos pelo professor saiam de sua “caixa” e deem espaço para sua “primeira ideia”, demonstrando o quão o senso crítico, criativo e reflexivo deste aluno visto pelo modo tradicional como “caixa vazia”, se faz necessário na atualidade.

Este brilhante texto, pode ser intertextualidade com a citação do renomado educador Paulo Freire que em seu livro Pedagogia da Autonomia afirmou que: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. ” (p. 47).  Neste sentido vemos que o professor não deve acreditar que seu aluno seja uma página em branco ou fazendo alusão ao conto uma “caixa vazia” que deverá ser preenchida com os “utensílios” que o professor depositar.

Tal  “educação bancária” não atende ao aluno do século XXI como pudemos ver na reflexão realizada no conto “O menino e a caixa”. Os educadores devem compreender a época em que vivemos. A reprodução que até então era compreendida como sendo bem sucedida no passado, não se enquadra aos modelos atuais. Como o pesquisador Milton Santos afirmou: “Para ter eficácia, o processo de aprendizagem deve, em primeiro lugar, partir da consciência da época em que vivemos” (SANTOS, 2008, p. 115).
                      
Os pesquisadores Alarcão e Tavares foram ao encontro de Santos, já que eles salientaram a importância da conscientização das profundas mudanças na conjuntura político-social da nossa sociedade:

O segredo da renovação de nossas escolas, no sentido de se adaptarem às novas exigências da formação e da educação, do ensino e da aprendizagem, em mudanças profundas e aceleradas, passa por uma mudança qualitativa, radical, dos professores. Não se trata apenas de saber mais, mas de um saber qualitativamente diferente que assenta numa atitude e numa maneira de ver diferentes (ALARCÃO e TAVARES, 2003).

Essa nova visão reforça mais uma vez o papel que o professor deve ressignificar a educação, propondo, questionando e modificando. 

Fazer da sala de aula o lugar de aprendizagem natural do sujeito é estabelecer como objetivo da escola criação de um ambiente onde se partilha e constrói significados. A decorrência de se aceitar esta afirmação como verdadeira é que aos que fazem a escola, cabe o planejamento de atividades de ensino mediante as quais, professores e alunos possam ampliar, modificar e construir significados. (MOURA,  2001, p.155)

A construção de significados deve ser repensada a todo instante, pois como citado anteriormente, o entregador de objetos em “O menino e a caixa”, acreditava que sua prática o levaria para outro sentido. Por isso, nós educadores, devemos questionar nossas certezas e convicções, afim de nos aproximarmos de uma educação que faça nosso aluno questionar, refletir mesmo que pareça “tímida e despretensiosa”.


Educar não é fácil, mas as coisas fáceis qualquer um as faz; as difíceis estão para os Professores, para os Pais, para as Pessoas com letra maiúscula. Ensinar bons alunos, que não criam problemas, qualquer um faz, mas saber lidar com alunos difíceis implica aceitar fazer muitas mil pequeninas coisas. Quem não for capaz de fazer pequenas coisas jamais verá perante si as coisas grandes! (VEIGA, 2002, p. 155)



REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel e TAVARES, José. Supervisão da prática pedagógica: uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. 2a edição. Coimbra: Almedina, 2003.
FREIRE, P. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA - saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
MOURA. M. A atividade de ensino como ação formadora. In: CASTRO, A. & CARVALHO, A (orgs). Ensinar a ensinar: didática para a escola. São Paulo: Editora Pioneira, 2001.
NOVOA, A. (Org.) Profissão professor. Portugal: Porto, 2. ed., 1995.
RAMAL, Andrea. Histórias de gente que ensina e aprende: contos para repensar a educação. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
SANTOS, M. In: TENDLER, S. Técnica, Espaço, Tempo. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2008. (Coleção Milton Santos; 11).
VEIGA, Feliciano Henriques. Indisciplina e Violência na Escola: Práticas Comunicacionais para Professores e Pais. Coimbra: Almedina, 2002.
Entre a lógica da formação e a lógica das práticas: a mediação dos saberes pedagógicos. Maria Amélia Santoro Franco. Universidade Católica de Santos. Educ. Pesqui. v.34 n.1 São Paulo jan./abr. 2008. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022008000100008. 

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