segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O trato dos viventes- Luiz de Alencastro


A formação territorial que conhecemos por Brasil hoje não é a mesma de séculos atrás, como o consagrado Professor e Historiador Luiz de Alencastro nos mostra em seu livro O trato dos viventes, que aborda a Formação do Brasil no Atlântico Sul durante os séculos XVI e XVIII. Para Alencastro, não devemos ser anacrônicos quando pensamos na época colonial, por isso, o historiador propõe uma nova analise quando pensa-se na Formação do Brasil.
Alencastro entende que o espaço vai além do que hoje configura o Brasil, no caso é o Atlântico Sul como um todo. África, Metrópole Portuguesa e a Colônia formam uma relação triangular, porém regiões conhecidas hoje como Amazônia, Ceará, Piauí, Pará, Maranhão, como eram áreas bastante estrangeiras, não faziam parte deste ciclo e não dependendo tanto da mão de obra africana.
Além disso, de termos esta questão territorial clara, devemos entender que a colonização é processo, uma experiência histórica, ou seja, os próprios colonos tiveram que se reconhecer como colonos para que apreendessem a colonizar. Como diz Alencastro: “ [...] as metrópoles reorientam as correntes ultramarinas a fim de colonizar seus próprios colonos”. (p. 11)
Assim, os colonos tiveram que apreender a conviver com outra sociedade, e, Portugal teve que apreender que cada região tinha uma especificidade, por isso, não existia uma fórmula na colonização que pudesse ser utilizada à todos territórios conquistados.
Quando pensa-se no território do Peru e na maior parte da América espanhola, vemos que “ [...] os conflitos opondo colonos ao clero e à Coroa nascem da luta pelo controle dos nativos.” (ALENCASTRO, p.12), havendo então um discurso ideológico que acaba sendo tortuoso com a finalidade de “justificar” a colonização.
Em Angola, há um conflito político semelhante ao Peru, “[...] salvo que ali a Coroa bate de frente com o colonato e com os jesuítas”. (ALENCASTRO, p. 13) A conquista foi concedida em 1571 à Paulo Dias Novais, como capitania hereditária, e, após ser abandonado pela metrópole concedeu terras, nativos e rendas aos conquistadores e jesuítas num sistema chamado de amos que funcionava da seguinte forma: Os amos cobravam tributos e os sobras exploravam a população, o pagamento muitas vezes era feito em forma de escravo, portanto, esses escravos eram enviados à América para trabalhar como população escrava, porém a Coroa retoma a colônia tirando o poder do capitão hereditário e colocando em seu lugar “ [...] um governador, depositário direto da autoridade régia, recebe ordens para sustar a instituição dos amos”. (ALENCASTRO p. 14)
Já em Goa, Portugal encontra dificuldade com os casados(colonos negociantes, comerciantes fixos, conhecidos em Portugal como “Porta Aberta”) pois tinham interesses já estabelecidos, e estes, tinham como oponentes os solteiros (soldados e comerciantes itinerantes que apareciam como atacacadistas que efetuavam transações na rota da China e do Japão). Além disso, “[...] os casados impuseram embargo aos cristãos-novos e aos indianos cristianizados que se associavam aos funcionários portugueses nos tratos dos portos asiáticos.” (ALENCASTRO p. 15) , então, Portugal teve dificuldade em controlar os comerciantes.
Contudo, em Moçambique “ [...] a fragilidade do implante lusitano transparece mais claramente ainda”. (ALENCASTRO p. 16), como quando o mesmo cita que “os colonos se africanizam”, assim não se comportam como o desejo da Coroa, mesmo porque, a presença dos colonos em Moçambique não assegurava como um beneficio à Coroa.
Na América Portuguesa, diferente de Moçambique, a colonização foi diferente no que diz respeito à relação das tribos e dos conquistadores. Em 1504 a Coroa Portuguesa toma medidas para povoar o território, isso tem relação com o declínio com a Ásia e com a Ofensiva Francesa que fazia várias tentativas de se aproximar na América Portuguesa, e, por isso, Portugal teve que povoar essa região. Até 1549, Portugal tinha uma economia de coleta, porém, com o desenvolvimento do Governo Geral há uma substituição para uma economia de produção(açúcar), realizada com o braço africano.
No entanto, “[...] metade, e talvez dois terços, do açúcar produzido no Brasil havia sido transportado pelos holandeses para Amsterdã até o início do século XVII” (p. 22), então só em 1580 quando Portugal se vê arrastado para os conflitos europeus que a Coroa portuguesa decide definir o “exclusivo colonial”, ou seja, transformar aquelas pessoas em colonos de fato e que produzam o que a Coroa deseja.
Além disso, “[...] o poder imperial também se impõe como catalisador do trabalho produtivo, como distribuidor de privilégios sociais e gendarme da ortodoxia religiosa. Este último elemento adquire toda a sua força nos séculos XVI e XVII, quando se considera a influencia da Contra-Reforma e, principalmente, o peso do mais poderoso aparelho ideológico da península Ibérica: a Inquisição.” (ALENCASTRO p. 23).
Assim, conseguimos observar que está ortodoxia religiosa fica arraigada na colonização dos colonos, já os jesuítas os relação aos índios entram em conflito com os colonos, com o episcopado e com a Coroa, mas, nem sempre foi assim, se nos remetermos ao período de 1640-68 veremos que os jesuítas foram a favor do poder bragantino.
Desta forma, todos esses interesses estão marcados diretamente com o tráfico negreiro, já que, “ [...] o trato negreiro não se reduz ao comércio de negros. De conseqüências decisivas, na formação histórica brasileira, o tráfico extrapola o registro das operações de compra, transporte e venda de africanos para moldar o conjunto da economia, da demografia, da sociedade e da política da América portuguesa”. (ALENCASTRO, p. 29)
Além disso, as dimensões assumidas pelo trato negreiro foram muitas, como por exemplo, que o tráfico de africanos constituiu um segmento da rede que ligava Portugal ao Médio e Extremo Oriente; o comércio de escravos se apresentava como fonte de receitas para o Tesouro Régio, ou seja, os ganhos fiscais do trato sobrepõe-se aos ganhos econômicos da escravidão; o tráfico surge como o vetor produtivo da agricultura das ilhas atlânticas.
O uso da mão de obra africana como citada anteriormente gerou muito lucro à Coroa, já que era um comércio administrado e, “[...] considerando as dimensões do mercado africano e o sistema náutico do Atlântico Sul a oferta de escravos africanos se torna mais regular e flexível que a de índios.” (p. 39) isso acontece por diversas razões, uma delas, que Alencastro cita é o fato dos africanos estarem parcialmente imunizados contra as epidemias predominantes no Mediterrâneo e na zona tropical do Continente Negro. , já que eram oriundos de uma “terra doentia”, diferente dos índios que vinham de uma “terra tão sadia”.
Vemos no livro de Alencastro o quão importante é entender como se deram essas relações entre a África, Coroa Portuguesa e o Brasil, já que sem estabelecermos essas relações não conseguimos compreender como foi a formação do Brasil. Assim, vemos a grande contribuição do Professor Alencastro para Historiografia, pois, inclui a África na formação do Brasil abrindo uma nova perspectiva de análise e, com isso gerando muita polêmica em relação a formação histórica do Brasil, já que, se engaja em um espaço diferente do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

teste

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...